Em defesa de São Paulo; pela Confederação
Por J. Nascimento Franco*
A idéia separatista sempre existiu e nunca pôde ser sufocada definitivamente pelas forças repressivas da União. Já a unidade nacional é ensinada desde os primeiros dias escolares, nas aulas de geografia e história e, por força do hábito, pela mídia. Mas à medida que a inteligência ganha autonomia, o jovem vai tomando conhecimento de respeitáveis opiniões no sentido de que a unidade territorial e política constitui em embaraço ao desenvolvimento dos Estados. Por isso, o tema separatista até há pouco vinha sendo tratado de forma mais desinibida apenas pelos sociólogos e historiadores, em obras especializadas. No comum, a unidade Nacional indissolúvel é tese oficial apoiada por comodismo, interesse ou pouca afeição a seu torrão natal…
De todo modo, só por má fé alguém pode misturar com o neonazismo praticado por alguns extremistas, entre os quais os “skin-heads”. A confusão nasceu da deturpação de um líder separatista sulino por uma repórter da rede Globo, tão primária quanto despreocupada com a ética profissional. Homens cultos e bem intencionados, chegaram a ser enganados por essa distorção, mas logo perceberam que o separatismo tem outras e mais profundas motivações, enquanto o neo-nazismo tem origens diferentes, segundo constatou importante estudo levado a efeito em fins de 1993 pela Universidade de Tel Aviv, sobre a expansão do neo-nazismo no Brasil e nos demais países da América do Sul. Após alentada pesquisa, foi elaborado um relatório comprovando que focos neo-nazistas proliferam também no Norte e no Nordeste orientados por organizações montadas em Belém e no Recife, e estimulados por uma colônia de refugiados alemães residentes na cidade de Honebau no Paraguay.
Fatos como este desmistificam a relação que se pretende estabelecer, e que nunca existiu, entre o racismo neo-nazista, e os movimentos separatistas, notadamente os de São Paulo e os integrantes do Movimento “O Sul é o meu país”, criado no Paraná e em Santa Catarina, e o do professor Irton Marx, que teve a coragem de organizar vigoroso movimento separatista do Rio Grande do Sul e de publicar um livro polêmico por algumas teses que levanta, mas que no geral, objetiva apenas provar que a unidade nacional é lesiva a seu Estado.
Na verdade, a pecha de racismo é argumento dos que não têm argumentos para opor à aspiração secessionista dos Estados sulinos a qual deve ser respeitada como expressão do mais legítimo patriotismo. Em carta dirigida à “Folha de São Paulo”, o sr. Jorge Ernesto Macedo Geisel, ardoroso separatista gaúcho, escreveu: “Os críticos de plantão do separatismo na falta de maiores argumentos, sempre descambam para o racismo. Os diversos movimentos patrióticos que anseiam pela liberdade não são levados por este sentimento tão explorado, que pretende transformar um sentimento natural, brotado do amor ao torrão natal, em simples guerra fratricida. Uma separação de caráter político certamente não vai piorar as relações hoje existentes entre os atuais federados”.
Revolta dos ricos, é a pecha sempre aplicada às reivindicações dos Estados sulinos a maior retorno das verbas federais, já que são os maiores contribuintes os cofres da União. Um historiador ilustre Professor Mário Maestri, publicou um ensaio de alta Erudição, sustentando de um lado que os movimentos secessionistas Gaúchos não teriam raízes na Revolta Farroupilha e, de outro lado, que eles pretendem, em ultima análise fragmentar o Bloco nacional e descartar a contribuição tirada dos Estados ricos em favor dos economicamente menos aquinhoados. Para terminar, o articulista socorre-se de exemplos que desaconselhariam a separação, qual seja o da Eslovênia, que se livrou da indesejada união Iugoslava, para se colocar de fato na condição de quase protetorado da Alemanha. Nenhum símile poderia ser mais inadequado, porque a falsidade da tese da inviabilidade das pequenos países é comprovada pelos exemplos da Holanda e da Suíça, da República Tcheca e de quase todos os países sul-americanos.. Ademais, tanto o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que aspiram unir-se em um estado soberano, como o Paraná e São Paulo, são, sob todos os enfoques, muito maiores que a Eslovênia e, por isso, não correriam o risco de, uma vez separados, se transformar em protetorado do Brasil remanescente…
Alega-se que separatismo é subproduto da riqueza sulina, que não quer misturar-se com a pobreza de outras regiões. Ocorre que a chamada riqueza sulina não é assim tão grande, dado que São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul também têm bolsões de pobreza nada pequenos. Para confirmar isso, basta percorrer o litoral paulista e determinadas regiões daqueles Estados. Aliás, é precisamente para superar essa realidade que o Sul reclama tal como também Nordeste, mais ampla autonomia e o direito de reter maior porção dos tributos que produzem e de usa-los em beneficio da população local.
Contrariamente à suposição de que Pobreza só existe no Norte e no Nordeste, escreveu outro riograndense, o jurista Sérgio Alves de Oliveira: “À primeira vista pode parecer que um eventual movimento emancipacionista do Sul significa o mesmo que uma postura “egoísta”, já que relativamente a outras regiões nacionais essa região chega a ser considerada “rica”, bem alimentada e assim por diante. Mas se não pode ser negado que grandes diferenças dão a sua presença, menos verdade não é que elas existem mais em decorrência da maior miséria que está acampada nessas outras regiões. Tanto é assim que também o povo sulino não tem o privilégio de viver em nenhum paraíso, sofrendo a mesma exploração que aqueles”.(A independência do Sul – Martins Livreiro Editor). De qualquer forma, é injustificável a pretensão de se inculcar ao Sul o encargo de custear o desenvolvimento de outras regiões.
Sabe-se que cerca de 11 bilhões de dólares foram na década de 1980 remetidos para o Norte e nordeste. O que não se sabe e se estes bilhões foram adequadamente aplicados na solução do problema das secas. Ainda há pouco um vice-governador de São Paulo publicou um longo artigo em que atribuiu ao povo paulista a obrigação de solucionar os problemas do Brasil, a pretexto de que assim estará resolvendo os seus próprios… A certa altura, escreveu o vice-governador nada menos que isto: “Os desequilíbrios são do Brasil todo e São Paulo é a grande síntese do todo brasileiro. Tem papel crucial e desempenhar para que se reduzam no país as desigualdades sociais e regionais e se criem novos horizontes de progresso”. A despeito de considerar São Paulo como co-responsável pela solução dos problemas de outros Estados, o vice-governador mesmo registra que em contra-partida somos sempre detestados: “Pode-se argüir que há certa “má vontade, nos outros Estados do Brasil (salvo em algumas partes limítrofes, como Sul de Mato Grosso e de Minas e o Norte do Paraná) em relação à “Pátria Paulista”.
A imagem de São Paulo desperta reações contraditórias, mas é suficientemente negativa para que a população brasileira não aceite com facilidade que o Estado dos bandeirantes, além de ser o grande pólo econômico, tenha no plano político expressão equivalente”. Esses dois tópicos chegam a ser, desconcertantes, porque ao nosso vice-governador caberia cuidar de resolver os problemas de São Paulo, que ele mesmo reconhece serem inúmeros, tanto que poucas linhas depois anota que dentro do território paulista há desníveis a serem superados, tal como o da mortalidade infantil, que segundo diz, é de 22 por 1.000 na região de Campinas e de 68 por 1.000 na de Itapeva. Nas suas preocupações com os problemas de outros Estados, esqueceu-se o Dr. Aloysio Nunes Ferreira de que jamais chegaremos a superar nossos próprios desníveis, se tivermos de dedicar nossos esforços para superar o dos outros. Um ex-prefeito chegou a alertar que “São Paulo precisa parar”, contrariando o chavão segundo o qual não podemos parar… Nesse objetivo temos de repelir manifestações, masoquistas ou insinceras, segundo as quais devemos descarregar sobre os ombros sulistas a solução das dificuldades do Brasil inteiro.
Urge também rechaçar a pecha de racismo atirada contra os que apenas protestam contra a deterioração das condições de vida nos Estados sulinos. Essa deterioração começou há muito tempo e está avançando em ritmo acelerado. O favelamento urbano cresce de forma impressionante e já se implanta em zonas centrais das maiores cidades do interior, até há pouco tempo desconhecedoras desse triste fenômeno social.
Em síntese, o separatismo tem por causa a inexistência de um autêntico sentimento de fraternidade cimentando a unidade nacional. A carga tributaria federal suportada pelos Estados e o minguado retomo que recebem, a ineficácia da União como responsável pela coordenação do desenvolvimento harmônico dos Estados, são as causas reais que inspiram o sentimento separatista. Atribui-las a racismo, animosidade do Sul contra o Norte e o Nordeste, ou de Estados ricos contra Estados pobres, é distorção ditada pela má fé, pela ignorância ou pelo desamor a seu próprio torrão natal.
*João nascimento Franco é Constitucionalista de São Paulo. Este artigo foi retirado do livro “Fundamentos do Separatismo”, de sua autoria, pela editora Panartz (1993).
Ser Paulista! É ser grande no passado!
E ainda maior nas glórias do Presente!
É ser a imagem do Brasil sonhado, e,
ao mesmo tempo, do Brasil nascente!